Alice Madeleine Galland de Mira

Alice Madeleine Galland Mira (1916-2010) nasceu no dia 16 de novembro de 1916, em Montevidéu, Uruguai, no contexto turbulento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Filha de Emanuel Galland, teólogo, e Ivone Van Berchem, botânica, Alice possuía nacionalidade suíça e uruguaia. Cresceu em uma família de intelectuais, com três irmãos e duas irmãs.

Na década de 1920, Alice iniciou sua educação primária no colégio Crandon, em Montevidéu. Nos anos 1930, sua família mudou-se para Buenos Aires, Argentina, onde ela continuou seus estudos secundários e teve sua primeira professora de Psicologia, Lídia Peradotto (1892-1951). Após o término do ensino secundário, a família decidiu retornar à Suíça, onde Alice se dedicou a cursos de cultura geral com renomados professores como Maria Montessori (1870-1952) e Henri Bergson (1859-1941). Sua formação incluiu estudos em Francês, Inglês, História, Literatura, Religião, Arte e Psicologia. Ela também estudou Enfermagem na École Bon Secours, em Genebra, antes de retornar à América do Sul.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Alice trabalhou em clínicas e hospitais em Buenos Aires, focando em Obstetrícia, Ginecologia e Pediatria. Em 1942, recebeu uma bolsa da Fundação Rockefeller para um curso de Enfermagem em Medicina Preventiva, tornando-se a única enfermeira diplomada com estudos secundário e universitário no Uruguai e na Argentina. Ela continuou sua formação em saúde pública na Universidade de Toronto, Canadá, e fez prática em Nova York antes de voltar para Buenos Aires para fundar a primeira escola de enfermagem universitária em Rosário de Santa Fé.

No início dos anos 1940, Alice entrou em contato com Emilio Mira y López (1896-1964) e começou a se envolver com o Psicodiagnóstico Miocinético (PMK) e a Psicologia. Participou de vários cursos e conferências, incluindo a aplicação do PMK a indígenas e a detentos. Em 1946, ela deu início a uma nova fase de sua vida, combinando maternidade com sua carreira acadêmica e profissional.

Na década de 1950, Alice se tornou psicotécnica no Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde chefiou o setor de PMK e escreveu artigos sobre o tema. Em 1964, participou do XV Congresso Internacional de Psicologia Aplicada, onde recebeu reconhecimento por seu trabalho com o PMK.

Nos anos 1970 e 1980, Alice continuou a se destacar no campo da Psicologia, ministrando cursos e recebendo homenagens, incluindo uma pela Editora Vetor e pelo Centro de Seleção da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Em 1987, lançou o livro “PMK – Psicodiagnóstico Miocinético” e, em 1988, participou de eventos importantes relacionados à Psicologia.

Após uma longa e produtiva carreira, Alice Mira foi entrevistada, em 2006, por Flávia Moreira Oliveira, orientanda da Professora Ana Maria Jacó-Vilela, para uma pesquisa sobre a participação das mulheres na constituição da Psicologia no Brasil. Alice Mira faleceu no dia 19 de março de 2010, em Londrina, Paraná, deixando um legado significativo na Psicologia.

 

Emilio Mira y López

Emílio Mira Y López, nasceu em 24 de outubro de 1896, em Santiago de Cuba. Em 1898, sua família retornou à Espanha fixando-se, de início, na Galícia e, a partir de 1902, em Barcelona, onde Mira Y López concluiu sua formação escolar básica e graduação em Medicina (1917). 

Em 1918 foi médico assistente de clínica no hospital clínico de Barcelona. Psiquiatra recém formado, seu primeiro contato com a Psicologia ocorreu em 1919, no Instituto de Orientação Profissional da Catalunha, onde foi chefe do Laboratório de Psicofisiologia, cargo alcançado por concurso. 

Casou-se com Pilar Campis Garriga, de quem se divorciou durante sua estada no Uruguai. Voltou a casar-se com Alice Madeleine Galland. Três filhas nasceram da primeira união: Pillar Emília e Montserrat. Do segundo casamento nasceram todos no Brasil – Núria, Rafael, Emílio Carlos e Emílio. 

Em 1922, obteve seu doutorado na Universidade Complutense de Madri, com a tese “Las Correlaciones Somáticas del Trabajo Mental“. Todos seus títulos e cursos foram obtidos com louvor. Na tese, parte das investigações de Mosso, Binet e Bichel, visando demonstrar que os fenômenos psíquicos não só são acompanhados de transformações neurais no sistema nervoso central – correlação que a fisiologia do século XIX já havia descoberto – mas também que há uma correlação positiva entre processos psíquicos e atividade dos sistemas vasculares e vegetativos. Tornou-se médico do Dispensário de Enfermidades Mentais de Barcelona e, em 1924, foi efetivado após concurso como psiquiatra da Assistência Municipal.

Em 1926, tornou-se médico da Seção de Psiquiatria do Asilo do Parque de Barcelona e participou da criação da Associação de Neuropsiquiatrias. Mira rapidamente assumiu cargos, não só na Psiquiatria, como também na área de psicotécnica. Assim, em 1926 já o encontramos como diretor do Instituto de Orientación Profesional, que se tornou a Sección de Orientación y Selección Protesional de la Escuela del Trabajo de la Diputación de Barcelona. 

Em 1930, tornou-se membro do Comitê Internacional de Higiene Mental. Em 1931, com a Proclamação da República, a Seção se autonomeou, transformando-se no Instituto Psicotécnico de la Generalitat. Ainda na seara da Psicologia, Mira ministrou cursos de Psicologia Jurídica, o que lhe propiciou publicar o livro “Psicologia Jurídica”. No ano seguinte, em 1932, ministrou também cursos de Psicologia Experimental e foi presidente do 11º Congresso Internacional de Psicologia, que ocorreu em Copenhague.  

Em 1933, tornou-se médico consultor do Instituto Mental Pedro Mata, de Reus, na Espanha. Foi, ainda, nomeado catedrático de Psiquiatria da Universidade de Barcelona.  Ensinava na Clínica Psiquiátrica Municipal de Urgências.  Havia um modelo didático: na primeira hora, breve apresentação de um enfermo, seguida de exposição de Mira; na segunda hora, histórias clínicas; na terceira, discussão de casos.  Enviava alunos à casa do enfermo para investigar os fatores familiares e sociais.  Também em 1933, tornou-se diretor do Instituto Psiquiátrico de Sant Boi (Sección de Mujeres) e assumiu um empreendimento privado,  junto com Jerônimo de Moragas: a Clínica Psiquiátrica Infantil La Sageta.

No ano de 1934, surgiu com novos cargos e funções, se tornando presidente da Sociedade Catalã de psiquiatria e Neurologia, vice-presidente da Associação Espanhola de Neuropsiquiatrias, membro do Conselho Superior Psiquiátrico de Madrid e em 1935 presidente da Liga Espanhola de Higiene Mental. Em 1936, criou o Preventório de Psiquiatria Municipal e dirigiu, em 1937, a Revista de Neurologia e Psiquiatria.

Principal promotor da escola psiquiátrica alemã na Catalunha, em 1939 apresentou no Maudsley, Hospital de Londres, o seu “Teste Psicodiagnóstico Miocinético” (mais conhecido como PMK) – sua principal contribuição para as técnicas projectivas. Também inventou o Astereômetro. Filiado ao Partido Socialista, exerceu a chefia dos serviços psiquiátricos do exército republicano, durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Com a vitória de Francisco Franco (1939), Mira Y López abandonou a Espanha, onde jamais retornou. Durante sua permanência nesse país, publicou “Teoria y Prática del Psicoanálisis” (1926), “Manual de Psicologia Jurídica” (1932) e “Manual de Psiquiatria” (1935). Demorou-se particularmente na Inglaterra (detentor de uma bolsa de research fellow no Maudsley Hospital, onde desenvolveu seu projeto PMK), na Argentina e no Uruguai.    

Em 1940, Mira se estabeleceu com sua família na Argentina. Parecia uma boa escolha, um país de língua espanhola, conhecido por suas referências europeias, e onde muitos espanhóis já se encontravam exilados. Tornou-se psiquiatra consultor do Sanatório Particular La Chapel. Em 1942, retornou aos Estados Unidos e, durante quase todo o ano, ministrou conferências em diferentes universidades, sendo nomeado membro da American Psychiatric Association. Seu principal trabalho na Argentina ocorreu em 1943, quando foi nomeado diretor de Serviços Psiquiátricos e de Higiene Mental da província de Santa Fé, o que lhe possibilitou fundar e dirigir o Hospital Psiquiátrico da cidade, posteriormente nomeado Mira Y López, porém perdeu o posto por suas ideias políticas.

Chegou, então, o tempo de mais uma mudança. Em 1944, Mira migrou para o Uruguai, contratado pelo Ministério de Educação desse país, para criar e dirigir o Instituto de Orientação Profissional de Montevidéu.  Dirigiu o Laboratório de Psicopedagogia Sebastián Morey Otero, onde iniciou a aplicação sistemática do PMK em escolares.  É nessa ocasião que conhece Alice Madeleine Galland, enfermeira sanitarista, com formação na Suíça.  Mira se divorciou de Dnª Pilar, que retornou à Espanha com as três filhas, e começou uma nova vida com Dnª Alice.

Em 1945, essa foi uma nova vida que se iniciou aos poucos, quando por indicação de Helena Antipoff, foi convidado para fazer conferências em várias cidades do Brasil.  Mira y López percorreu vários países, proferindo conferências, ministrando cursos, coordenando ou realizando pesquisas e dirigindo atividades práticas nos domínios da Psicologia e da Psiquiatria. 

Em maio de 1945, a convite de diversas instituições, ocupou-se do curso sobre Psicologia Aplicada no Brasil, do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, concluído em outubro de 1946 na Universidade de São Paulo (USP). No Instituto de Organização Racional do Trabalho – IDORT, no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e na Estrada de Ferro Sorocaba, pronunciou conferências e deu um curso de Psicologia Aplicada ao Trabalho. No mesmo ano voltou ao Rio de Janeiro e com o sucesso destes, foi convidado para organizar e dirigir o Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

Em 1947, após o período de guerras, passou por França, Inglaterra, Estados Unidos, Cuba, Argentina e Uruguai, antes de fixar-se no Rio de Janeiro, até sua morte.  Ainda que estabelecido no Brasil, Mira não abandonou sua trajetória internacional.  Segundo Emílio Rafael, em comentário pessoal, isso se devia ao baixo salário que lhe pagavam no ISOP.  Mas acreditamos que se devia também ao fato de ter continuado a receber muitos convites.  Sua rotina nos anos seguintes é de ir a universidades de diferentes países, ministrar cursos e receber títulos.  Assim, ministra cursos na Guatemala, México, Cuba e Venezuela, em 1948, recebendo títulos nas universidades desses países.  

O epicentro das atividades de Mira no Brasil foi o ISOP (1949), mas não ficaram restritas a ele.  Foi convidado para ministrar muitos cursos, como, por exemplo, para os Ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, provavelmente em decorrência de seus trabalhos voltados para a Psicologia Militar.  Também foi convidado para organizar e supervisionar o Serviço de Orientação Profissional da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais, sendo ainda contratado para organizar, junto com Helena Antipoff, o Departamento Nacional da Criança (DNCr).  O DNCr era responsável pela coordenação,  em âmbito federal,  das atividades voltadas à maternidade,  infância e juventude,  no contexto do Ministério da Educação e Saúde.  Sua criação, em 1940, está vinculada a preocupação do governo do Estado Novo com a educação e assistência à criança e à juventude, como forma de garantir o futuro da nação. 

Seu grande foco de atuação, sem dúvida, residiu no Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), órgão autônomo da Fundação Getúlio Vargas, esta última instituição que tinha como objetivos a documentação, o estudo e a pesquisa no domínio da racionalização do trabalho. Emílio Mira y López criou no ISOP a perspectiva de articulação do trabalho científico com os problemas cotidianos e com ações práticas para a sua solução.  Assim, o trabalho do ISOP fazia parte dos assuntos dos jornais da época, como o treinamento dos funcionários da rede ferroviária após um grande desastre de trens.  Era requisitado para entrevistas sobre diversos assuntos psicossociais, sobre os quais publicou artigos nos principais jornais brasileiros e argentinos.  Os técnicos do ISOP, dois anos após sua fundação, criaram a Associação Brasileira Psicotécnica, em 1949.  No mesmo ano, saiu a publicação da Revista Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, cujo redator-chefe era Emílio Mira.  A Arquivos 5 é a primeira revista totalmente voltada para temas da Psicologia e de grande circulação no Brasil.  O Psicodiagnóstico Miocinético – PMK – tornou-se o grande teste brasileiro nesse momento.

Nos anos de 1954, torna-se professor convidado, recebendo títulos de diferentes universidades cubanas.  E, nos Arquivos da Associação Brasileira de Psicotécnica, publica seu anteprojeto de regulamentação da profissão de psicólogo e dos cursos de Psicologia, em 1954, dando início a uma grande mobilização nacional sobre o tema.  Ao lado de outros psicólogos, Mira Y López participou das lutas pela regulamentação da profissão e pela formação regular do psicólogo no Brasil. Escreveu numerosos livros abrangendo os campos da Psicologia, Psiquiatria e Educação. 

Em 1955, é conferencista e presidente da Seção de Psicologia Experimental da Unesco, para ministrar cursos do Departamento de Psicologia da Faculdade de Humanidades da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e reorganiza o Departamento de Psicologia da Universidade de Venezuela, em 1958. Dois anos mais tarde é convidado especial do Instituto Cubano de Amizade dos Povos, e professor convidado em Córdoba, na Argentina, em 1960.  A Universidade de Quito o convida como professor de Psicologia, em 1962, no mesmo ano, nomeado professor honorário de sua Faculdade de Filosofia e Letras.  Em 16 de fevereiro de 1964, Mira faleceu em Petrópolis, tendo sua morte sido noticiada por diversos meios de comunicação importantes da época, não só no Brasil, como em toda a América Latina.

 

Atualmente, o acervo físico da Coleção Alice Galland de Mira e Emilio Mira y López encontra-se disponível sob a guarda do Laboratório de História e Memória da Psicologia – Clio-Psyché (CLIO-UERJ). Estamos em fase de implantação do acervo no ICA-AtoM, software livre e com código-fonte aberto, desenvolvido para ser uma interface de acesso aos documentos arquivísticos.

Para informações sobre como agendar visita à Coleção Alice Galland de Mira e Emilio Mira y López, enviar e-mail para acervo.cliopsyche@uerj.br.

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